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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte VIII

Wiclef foi um dos maiores reformadores. Na amplidão de seu intelecto, clareza de pensamentos, firmeza em manter a verdade e ousadia para defendê-la, por poucos que após ele vieram foi igualado. Pureza de vida, incansável diligência no estudo e no trabalho, incorruptível integridade, amor e fidelidade cristã no ministério caracterizaram o primeiro dos reformadores. E isto, apesar das trevas intelectuais e corrupção moral da época de que ele emergiu.

O caráter de Wiclef é testemunho do poder educador e transformador das Sagradas Escrituras. Foram estas que dele fizeram o que foi. O esforço para aprender as grandes verdades da revelação, comunica frescura e vigor a todas as faculdades. Expande a mente, aguça a percepção, amadurece o juízo. O estudo da Bíblia enobrece a todo o pensamento, sentimento e aspiração, como nenhum outro estudo o pode fazer. Dá estabilidade de propósitos, paciência, coragem e fortaleza; aperfeiçoa o caráter e santifica a alma. O esquadrinhar fervoroso e reverente das Escrituras, pondo o espírito do estudante em contato direto com a mente infinita, daria ao mundo homens de intelecto mais forte e mais ativo, bem como de princípios mais nobres, do que os que já existiram como resultado do mais hábil ensino que proporciona a filosofia humana. “A exposição das Tuas palavras dá luz” diz o salmista; “dá entendimento aos símplices.” Salmo 119:130.

As doutrinas, por Wiclef ensinadas, continuaram durante algum tempo a espalhar-se; seus seguidores, conhecidos como wiclefitas e lolardos, não somente encheram a Inglaterra, mas a espalharem-se em outros países, levando o conhecimento do Evangelho. Agora que seu guia fora tomado dentre os vivos, os pregadores trabalhavam com zelo maior do que antes, e multidões se congregavam para ouvi-los. Alguns da nobreza e até a esposa do rei se encontravam entre os conversos. Em muitos lugares houve assinalada reforma nos costumes do povo, e os símbolos do romanismo foram removidos das igrejas. Logo, porém, a impiedosa tempestade da perseguição irrompeu sobre os que haviam ousado aceitar a Escritura Sagrada como guia. Os monarcas ingleses, ávidos de aumentar seu poder mediante o apoio de Roma, não hesitaram em sacrificar os reformadores. Pela primeira vez na história da Inglaterra a fogueira foi decretada contra os discípulos do Evangelho. Martírios sucederam a martírios. Os defensores da verdade, proscritos e torturados, podiam tão somente elevar seus clamores ao ouvido do Senhor dos exércitos. Perseguidos como inimigos da igreja e traidores do reino, continuaram a pregar em lugares secretos, encontrando abrigo o melhor que podiam nos humildes lares dos pobres, e muitas vezes refugiando-se mesmo em brenhas e cavernas.

Apesar da fúria da perseguição, durante séculos continuou a ser proferido um protesto calmo, devoto, fervoroso, paciente, contra as dominantes corrupções da fé religiosa. Os crentes daqueles primitivos tempos tinham apenas conhecimento parcial da verdade, mas haviam aprendido a amar e obedecer à Palavra de Deus, e pacientemente sofriam por sua causa. Como os discípulos dos dias apostólicos, muitos sacrificavam suas posses deste mundo pela causa de Cristo. Aqueles a quem era permitido permanecer em casa, abrigavam alegremente os irmãos banidos; e, quando também eles eram expulsos, animosamente aceitavam a sorte dos proscritos. Milhares, é verdade, aterrorizados pela fúria dos perseguidores, compravam a liberdade com sacrifício da fé e saíam da prisão com roupas dos penitentes, a fim de publicar a sua abjuração. Mas não foi pequeno o número – e entre este haviam homens de nascimento nobre como humildes e obscuros – dos que deram humilde testemunho da verdade nos cubículos dos cárceres, nas “Torres dos Lolardos,” e em meio de tortura e chamas, regozijando-se de que tivessem sido considerados dignos de conhecer a “comunicação de Suas aflições.”

Os romanistas não haviam conseguido executar a sua vontade em relação a Wiclef durante a vida deste, e seu ódio não se satisfez enquanto o corpo do reformador repousasse em sossego na sepultura. Por decreto do concílio de Constança, mais de quarenta anos depois de sua morte, seus ossos foram exumados e publicamente queimados, e as cinzas lançadas num riacho vizinho. “Esse riacho” diz antigo escritor, “levou suas cinzas para o Avon, o Avon para o Severn, o Severn para o pequenos mares, e estes para o grande oceano. E assim as doutrinas de Wiclef são o emblema de sua doutrina, que hoje está espalhado pelo mundo inteiro.” – História Eclesiástica da Bretanha, de T. Fuller. Pouco imaginaram os inimigos a significação de seu ato perverso.

Foi mediante os escritos de Wiclef que João Huss da Boêmia, foi levado a renunciar a muitos erros do romanismo e entrar na obra da Reforma. E assim é que nesse dois países tão grandemente separados, foi lançada a semente da verdade. Da Boêmia a obra estendeu-se para outras terras. O espírito dos homens foi dirigido para a Palavra de Deus, havia tanto tempo esquecida. A mão divina estava a preparar o caminho para a Grande Reforma.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte VII

“Nenhum homem fiel seguir quer ao próprio papa, quer a qualquer dos santos, a não nos pontos em que seguirem ao Senhor Jesus Cristo; pois Pedro e os filhos de Zebedeu desejando honras mundanas, contrárias ao seguimento dos passos de Cristo, erraram, e, portanto, nestes erros não devem ser seguidos.”

“O papa deve deixar ao poder secular todo o domínio e poder temporal, e neste sentido exortar e persuadir eficazmente todo o clero; pois assim fez Cristo, e especialmente por seus apóstolos. Por conseguinte se errei em qualquer destes pontos, submeter-me-ei humildemente à correção, mesmo pela morte, se assim for necessário; e se eu pudesse agir segundo minha e vontade ou desejo, certamente me apresentaria em pessoa perante o bispo de Roma; mas o Senhor determinou o contrário, e ensinou-me a obedecer antes a Deus do que aos homens.”

Finalizando disse: “Oremos a nosso Deus para que Ele de tal maneira influencie nosso papa Urbano VI, conforme já começou a fazer, que juntamente com clero possa seguir o Senhor Jesus Cristo na vida e nos costumes, e com eficiência ensinar o povo, e que eles de tal maneira, fielmente os sigam nisso.”Atos e Monumentos, de Foxe.

Assim o Wiclef apresentou ao papa e aos cardais a mansidão e humildade de Cristo, mostrando não somente a eles mesmos, mas a toda a cristandade, o contraste entre eles e o Mestre, a quem professavam representar.

Wiclef esperava plenamente que sua vida seria o preço de sua fidelidade. O rei, o papa e os bispos estavam unidos para levá-lo à ruína, e parecia certo que, quando muito, em poucos meses o levariam à fogueira. Mas sua coragem não se abalou. “Por que falais em procurar longe a coroa do martírio?” dizia. “Pregai o Evangelho de Cristo aos altivos prelados e o martírio não vos faltará. Que! Viveria eu e estaria silencioso? ... Nunca! Venha o golpe eu o estou aguardando.” – D’Aubigné.

Mas Deus, em sua providência escudou Seu servo. O homem que durante toda a vida permanecera ousadamente na defesa da verdade, diariamente em perigo de vida, não deveria cair vítima do ódio de seus adversários. Wiclef nunca procurara escudar-se a si mesmo, mas o Senhor lhe fora o Protetor; e agora, quando seus inimigos julgavam segura a presa, a mão de Deus o removeu para além de seu alcance. Em sua igreja em Lutterworth, na ocasião em que ia ministrar a comunhão, caiu atacado de paralisia, e em pouco tempo rendeu a vida.

Deus designara a Wiclef a sua obra. Pusera-lhe na boca a Palavra da verdade e dispusera uma guarda a seu redor para que esta palavra pudesse ir ao povo. A vida fora-lhe protegida e seus trabalhos se prolongaram, até ser lançado o fundamento para a grande obra da Reforma.

Wiclef saíra das trevas da Idade Média. Ninguém havia que tenha vivido antes dele, por meio de cuja obra pudesse modelar seu sistema de reforma. Suscitado como João Batista para cumprir uma missão especial, foi ele um arauto de uma nova era. Contudo, no sistema de verdade que apresentava, havia uma unidade e perfeição que os reformadores que o seguiram não excederam e que alguns não atingiram, mesmo cem anos mais tarde. Tão amplo e profundo foi o fundamento, tão firme e verdadeiro o arcabouço, que não foi necessário ser reconstruído pelos que depois dele vieram.

O grande movimento inaugurado por Wiclef, o qual deveria libertar a consciência e o intelecto e deixar livres as nações, durante tanto tempo jungidas ao carro triunfal de Roma, teve sua fonte na Escritura Sagrada. Ali se encontrava a origem da corrente da bem-aventurança, que, como a água da vida, tem manado gerações desde o século XVI. Wiclef aceitava as Sagradas Escrituras com implícita fé, como a inspirada revelação da vontade de Deus, como suficiente regra de fé e prática. Fora educado a considerar a Igreja de Roma como autoridade divina infalível, e aceitar com indiscutível reverência os ensinos e costumes estabelecidos havia um milênio; mas de tudo isto se desviou para ouvir a santa Palavra de Deus. Esta era a autoridade que ele insistia com o povo para que reconhecesse. Em vez da igreja falando pelo papa, declarou ser a única verdadeira autoridade a voz de Deus falando por Sua Palavra. E não somente ensinava que a Bíblia é a perfeita revelação da vontade de Deus, mas que o Espírito Santo é o seu único intérprete, e que todo homem, pelo estudo dos seus ensinos, deve aprender por si próprio o dever. Desta maneira fazia volver o espírito, do papa e da igreja de Roma, para a Palavra de Deus.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte VI

Novamente os chefes papais conspiraram para silenciar a voz do reformador. Perante três tribunais foi ele sucessivamente chamado a juízo, mas sem proveito. Primeiramente um sínodo de bispos declarou heréticos os seus escritos e, ganhado o jovem Ricardo II para o seu lado obtiveram um decreto real sentenciando à prisão os que professassem as doutrinas condenadas.

Wiclef apelou do sínodo para o Parlamento; destemidamente acusou a hierarquia perante o conselho nacional e pediu uma reforma dos enormes abusos sancionados pela igreja. Com poder convincente, descreveu as usurpações e corrupções da sé papal. Seus inimigos ficaram confusos. Os que eram amigos de Wiclef e o apoiavam tinham sido obrigados a ceder, e houvera a confiante expectativa de que o próprio reformador, em sua avançada idade, só e sem amigos, curvar-se-ia perante a autoridade combinada da coroa e da tiara. Mas em vez disso, os adeptos de Roma viram-se derrotados. O Parlamento despertado pelos estimuladores apelos de Wiclef, repeliu o edito perseguidor e o reformador foi posto novamente em liberdade.

Pela terceira vez foi ele chamado a julgamento, e agora perante o mais elevado tribunal eclesiástico do reino. Ali não se mostraria favor algum para com a heresia. Ali, finalmente, Roma triunfaria e a obra do reformador seria detida. Assim pensavam os romanistas. Se tão-somente cumprissem o seu propósito, Wiclef seria obrigado a abjurar as suas doutrinas, ou sairia da corte diretamente para as chamas.

Wiclef, porém, não se retratou; não usou de dissimulação. Destemidamente sustentou os seus ensinos e repeliu as acusações de seus perseguidores. Perdendo de vista a si próprio, sua posição e o momento, citou os ouvintes perante o tribunal divino, e pesou seus sofismas e enganos na balança da verdade eterna. Sentiu-se o poder do Espírito Santo na sala do concílio. Os ouvintes ficaram como que fascinados. Pareciam não ter forças para deixar o local. Como setas da aljava do Senhor, as palavras do reformador penetrava-lhes a alma. A acusação de heresia que contra ele haviam formulado, com poder convincente reverteu contra eles mesmos. Por que, perguntava ele, ousavam espalhar seus erros? Por amor do lucro, para da graça de Deus fazerem mercadoria?

“Com quem,” disse finalmente, “julgais estar a contender? Com um ancião às bordas da sepultura? Não! Com a verdade – verdade que é mais forte do que vós, e vos vencerá.” – Wylie. Assim dizendo, retirou-se da assembléia e nenhum dos seus adversários tentou impedi-lo.

A obra de Wiclef estava quase terminada; a bandeira da verdade que durante tanto empunhara, logo lhe deveria cair da mão; mas, uma vez mais, deveria ele dar testemunho do Evangelho. A verdade deveria ser proclamada do próprio reduto do reino do erro. Wiclef foi chamado perante o tribunal papal em Roma, o qual tantas vezes derramara o sangue dos santos. Não ignorava o perigo que o ameaçava; contudo, teria atendido ao chamado se um ataque de paralisia lhe não houvesse tornado impossível efetuar a viagem. Mas, se bem que sua voz não devesse ser ouvida em Roma, poderia falar por carta, e isto se decidiu a fazer. De sua reitoria o reformador escreveu ao papa uma carta que, conquanto respeitosa nas expressões e cristã no espírito, era incisiva censura à pompa e orgulho da sé papal.

“Em verdade me regozijo,” disse, “por manifestar e declarar a todo homem a fé que mantenho, e especialmente ao bispo de Roma, o qual, como suponho ser íntegro e verdadeiro, de muita boa vontade confirmará minha dita fé, ou, se ela é errônea, corrigi-la-á.

“Em primeiro lugar, creio que o Evangelho de Cristo é o corpo todo da lei de Deus. ... Declaro e sustento que o bispo de Roma, desde que se considera o vigário de Cristo aqui na Terra, está obrigado, mais do que todos os outros homens, à lei do Evangelho. Pois a grandeza entre os discípulos de Cristo não consistia na dignidade e honras mundanas, mas em seguir rigorosamente, e de perto, a Cristo e suas maneiras. ... Jesus, durante o tempo de Sua peregrinação na Terra foi homem paupérrimo, desdenhando e lançando de Si todo o domínio e honra mundanos.”

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte V

Mas a maior obra de Wiclef deveria ser a tradução das Escrituras para a língua inglesa. Num – sobre a verdade e sentido das Escrituras – exprimiu a intenção de traduzir a Bíblia, de maneira que todos na Inglaterra pudessem ler, na língua materna, as maravilhosas obras de Deus.

Subitamente, porém, interromperam suas atividades. Posto que não tivesse ainda sessenta anos de idade, o trabalho incessante, o estudo e os assaltos dos inimigos haviam posto à prova as suas forças, tornando-o prematuramente velho. Foi atacado de perigosa enfermidade. A notícia disto proporcionou grande alegria aos frades. Pensavam então que se arrependeria amargamente do mal que tinha feito à igreja e precipitaram-se ao seu quarto para ouvir-lhe a confissão. Representantes das quatro ordens religiosas, com quatro oficiais civis, reuniram-se em redor do suposto moribundo. “Tendes a morte em vossos lábios,” diziam; “comovei-vos com as vossas faltas, e retratai em nossa presença tudo o que dissestes para ofensa nossa.” O reformador ouviu como silêncio; mandou seu assistente levantá-lo do leito e, olhando fixamente para eles enquanto permaneciam esperando a retratação, naquela voz firme e forte que tantas vezes os havia feito tremer, disse: “Não hei de morrer, mas viver, e novamente denunciar as más ações dos frades.” D’Aubugné. Espantados e confundidos, saíram os monges apressadamente do quarto.

Cumpriram-se as palavras de Wiclef. Viveu a fim de colocar nas mãos de seus compatriotas a mais poderosa de todas as armas contra Roma, isto é, dar-lhes a Escritura Sagrada, o meio indicado pelo Céu para libertar, esclarecer e evangelizar o povo. Muitos e grandes obstáculos havia de vencer na realização dessa obra. Wiclef achava-se sobrecarregado de enfermidades; sabia que apenas poucos anos lhe restavam para o trabalho; via a oposição que teria de enfrentar; mas, animado pelas promessas de Deus, foi avante sem intimidar-se de coisa alguma. Quando em pleno vigor de suas capacidades intelectuais, rico em experiências, foi ele preservado e preparado por especial providência de Deus para esse trabalho – o maior por ele realizado. Enquanto a cristandade se envolvia em tumultos, o reformador em sua reitoria de Lutterworth, alheio a tempestade que fora esbravejava, dedicava-se à tarefa que escolhera.

Concluiu-se por fim o trabalho: a primeira tradução inglesa que já se fizera da Escritura Sagrada. A palavra de Deus estava aberta para a Inglaterra. O reformador não temia agora prisão ou fogueira. Colocara nas mãos do povo inglês uma luz que jamais se extinguiria. Dando a Bíblia aos seus compatriotas, fizera mais no sentido de quebrar os grilhões da ignorância e do vício, mais para libertar e enobrecer seu país, do que já se conseguira pelas mais brilhantes vitórias no campo de batalha.

Sendo ainda desconhecida a arte de imprimir, era unicamente por trabalho moroso e fatigante que se podiam multiplicar os exemplares da Escritura Sagrada. Tão grande era o interesse por obter o Livro, que muitos voluntariamente se empenharam na obra de transcrever; mas era com dificuldade que os copistas podiam atender aos pedidos. Alguns dos mais ricos compradores desejavam a Bíblia toda. Outros compravam apenas partes. Em muitos casos várias famílias se uniam para comprar um exemplar. Assim, a Bíblia de Wiclef teve acesso aos lares do povo.

O apelo para a razão despertou os homens de sua submissão aos dogmas papais. Wiclef ensinava agora doutrinas distintivas do protestantismo: salvação pela fé em Cristo, e a infalibilidade das Escrituras unicamente.

Os pregadores que enviara disseminaram a Bíblia, juntamente com os escritos do reformador, e com êxito tal que a nova fé foi aceita por quase metade do povo da Inglaterra.

O aparecimento das Escrituras produziu estupefação às autoridades da igreja. Tinham agora que enfrentar um fator mais poderoso do que Wiclef, fator contra o qual suas armas pouco valeriam. Não havia nesta ocasião na Inglaterra lei alguma proibindo a Bíblia, pois nunca dantes fora ela publicada na língua do povo. Semelhantes leis foram depois feitas e rigorosamente executadas. Entretanto, apesar dos esforços dos padres, houve durante algum tempo oportunidade para a circulação da Palavra de Deus.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte IV

Logo depois de sua volta à Inglaterra, Wiclef recebeu do rei nomeação para reitoria de Lutterworth. Isto correspondia a uma prova de que o monarca ao menos não se desagradara de sua maneira franca ao falar. A influência de Wiclef foi sentida no moldar a ação da corte, bem como a crença da nação.

Os trovões papais logo se desencadearam contra ele. Três bulas foram expedidas para a Inglaterra: para a universidade, para o rei e para os prelados, ordenando todas as medidas imediatas e decisivas para fazer silenciar o ensinador de heresias. Antes da chegada das bulas, porém, os bispos, em seu zelo, intimaram Wiclef a comparecer perante eles para julgamento. Entretanto dois dos mais poderosos príncipes do reino o acompanharam ao tribunal; e o povo, rodeando o edifício e invadindo-o, intimidou de tal maneira os juízes, que o processo foi temporariamente suspenso, sendo-lhe permitido ir em paz. Um pouco mais tarde faleceu Eduardo III, a quem em sua idade avançada os prelados estavam procurando influenciar contra o reformador, e o anterior protetor de Wiclef tornou-se regente do reino.

Mas a chegada das bulas papais trazia para toda a Inglaterra a ordem peremptória de prisão e encarceramento do herege. Estas medidas indicavam de maneira direta a fogueira. Parecia certo que Wiclef logo deveria cair vítima da vingança do Roma. Mas aquele que declarou outrora a alguém: “Não temas,... Eu sou o teu escudo” (Gênesis 15:01), de novo estendeu a mão para proteger o Seu servo. A morte veio, não para o reformador, mas para o pontífice que lhe decretara destruição. Gregório XI morreu, e dispersaram-se os eclesiásticos que se haviam reunido para o processo de Wiclef.

A providência encaminhou ainda mais os acontecimentos para dar oportunidade ao desenvolvimento da Reforma. A morte de Gregório foi seguida da eleição de dois papas rivais. Dois poderes em conflito, cada um se dizendo infalível, exigiam agora obediência. Cada qual apelava para os fiéis a fim de o ajudarem a fazer guerra contra o outro, encarecendo suas exigências com terríveis anátemas contra os adversários e promessas de recompensa no Céu aos que o apoiavam. As facções rivais fizeram tudo o que podiam para atacar uma a outra, e durante algum tempo Wiclef teve repouso. Anátemas e recriminações voavam de um papa para outro, e derramavam-se torrentes de sangue para sustentar suas pretensões em conflito. Crimes e escândalos inundavam a igreja. Nesse ínterim, o reformador, no interior de sua paróquia de Lutterworth , estava trabalhando diligentemente para, dos papas contendores dirigir os homens a Jesus o Príncipe da paz.

O cisma, com toda a contenda e corrupção que produziu, preparou o caminho para a Reforma, habilitando o povo a ver o papado o que realmente era. Num folheto que publicou - “Sobre o Cisma dos Papas” – Wiclef apelou para o povo a fim de que considerasse se esses dois sacerdotes estavam a falar a verdade ao condenarem um ao outro como o anticristo. “Deus,” disse ele, “não mais quis consentir que o demônio reinasse em um único sacerdote tal, mas... fez divisão entre os dois, de modo que os homens em nome de Cristo, possam mais facilmente vencê-los a ambos.” Vida e Opiniões de João Wiclef,de Vaughan.

Wiclef a exemplo de seu Mestre, pregou o evangelho aos pobres. Não contente em espalhar a luz nos lares humildes em sua própria paróquia de Lutterworth, concluiu que ela deveria ser levada a todas as partes da Inglaterra. Para realizar isto organizou um grupo de pregadores, homens simples e dedicados, que amavam a verdade e nada desejavam tanto como o propagá-la. Estes homens iam por toda a parte, ensinando nas praças, nas ruas das grandes cidades e nos atalhos do interior. Procuravam os idosos, os doentes e os pobres, e desvendavam-lhes as alegres novas da graça de Deus.

Como professor de teologia em Oxford, Wiclef pregou a Palavra de Deus nos salões da universidade. Tão fielmente apresentava ele a verdade aos estudantes sob sua instrução, que recebeu o título de “Doutor do Evangelho.”

Arautos de um era melhor - Parte III

O papa conferira a esses monges a faculdade de ouvir confissões e conceder perdão. Isto se tornou fonte de grandes males. Inclinados a aumentar seus lucros, os frades estavam tão dispostos a conceder absolvição que criminosos de todas as espécies a eles recorriam e, como resultado, aumentavam rapidamente os vícios mais detestáveis. Os doentes e os pobres eram deixados a sofrer, enquanto que os donativos que lhes deveriam suavizar as necessidades, iam para os monges que com ameaça exigiam esmolas do povo, denunciando a impiedade dos que retivessem os donativos de suas ordens. Apesar de sua profissão de pobreza, a riqueza dos frades aumentava constantemente e seus suntuosos edifícios e lautas mesas tornavam mais notória a pobreza da nação. E enquanto despendiam o tempo em luxo e prazeres, enviavam em seu lugar homens ignorantes que apenas podiam narrar histórias maravilhosas, lendas, pilhérias para divertir o povo, e dele fazer ainda mais completamente o iludido dos monges. Contudo os frades continuavam a manter o domínio das multidões supersticiosas, e a levá-las a crer que todo o dever religioso se resumia em reconhecer a supremacia do papa, adorar os santos e fazer donativos aos monges, e que isto era suficiente para garantir lugar no Céu.

Homens de saber e piedade haviam trabalhado em vão para efetuar uma reforma nessas ordens monásticas; Wiclef, porém, com intuição mais clara, feriu o mal pela raiz, declarando que própria organização era falsa e que deveria ser abolida. Despertavam-se discussões e indagações. Atravessando os monges o país, vendendo perdões do papa, muitos foram levados a duvidar da possibilidade de comprar perdão com dinheiro e suscitaram a questão se não deveriam antes buscar de Deus o perdão em vez de buscá-lo do pontífice de Roma. Não pouco se alarmaram com a capacidade dos frades, cuja avidez parecia nunca se satisfazer. “Os monges e sacerdotes de Roma”, diziam eles, “estão nos comendo como um cancro. Deus nos deve livrar ou povo perecerá.” - D'Aubigné. Para encobrir sua avareza, pretendiam os monges mendicantes seguir o exemplo do Salvador, declarando que Jesus e Seus discípulos haviam sido sustentados pela caridade do povo. Esta pretensão resultou em prejuízo da sua causa, pois levou muitos a Escritura Sagrada, a fim de saberem por si mesmos a verdade – resultado que de todos os outros era o menos desejado de Roma. A mente dos homens foi dirigida à Fonte da verdade, que era o objetivo Roma ocultar.

Wiclef começou a escrever e publicar folhetos contra os frades, porém não tanto procurando entrar em discussão com eles como despertando o espírito do povo aos ensinos da Bíblia e seu Autor. Ele declarava que o poder do perdão ou excomunhão não o possuía o papa em maior grau do que os sacerdotes comuns, e que ninguém pode ser verdadeiramente excomungado a menos que haja trazido sobre si a condenação de Deus. De nenhuma outra maneira mais eficaz poderia ter empreendido a demolição da gigantesca estrutura de dominação espiritual e temporal que o papa erigira, e em que a alma e corpo de milhões se achavam retidos em cativeiro.

De novo foi Wiclef chamado para defender os direitos da coroa inglesa contra as usurpações de Roma; e, sendo designado embaixador real, passou dois anos na Holanda, em conferência com os emissários do papa. Ali entrou em contato com os eclesiásticos da França, Itália e Espanha, e teve oportunidade de devassar os bastidores e informar-se de muitos fatos que lhe teriam permanecido ocultos na Inglaterra. Aprendeu muita coisa que o orientaria em seus trabalhos posteriores. Naqueles representantes da corte papal lia ele o verdadeiro caráter e objeto de hierarquia. Voltou para a Inglaterra a fim de repetir mais abertamente e com maior zelo seus ensinos anteriores, declarando que a cobiça, o orgulho e o engano eram os deuses de Roma.

Num de seus folhetos disse ele, falando do papa e de seus coletores: “Retiraram de nosso país os meios de subsistência dos pobres, e muitos milhares de marcos, anualmente, do dinheiro do rei, para sacramentos e coisas espirituais, o que é amaldiçoada heresia de simonia, e fazem com que toda a cristandade consinta nesta heresia e a mantenha. E, na verdade, ainda que nosso reino tivesse uma gigantesca montanha de ouro, e nunca homem algum dali tirasse a não ser o coletor deste orgulhoso e mundano sacerdote, com o tempo ela se esgotaria; pois sempre ele tira dinheiro de nosso país e nada devolve a não ser a maldição de Deus pela sua simonia.” - História da Vida e sofrimentos de Jhon Wiclef, do Rev. João Lewis.



terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte II

Semelhantes aos reformadores posteriores, Wiclef não previu, ao iniciar a sua obra, até onde ela o levaria. Não se opôs deliberadamente a Roma. A dedicação à verdade, porém, não poderia senão levá-lo ao conflito com a falsidade. Quanto mais claramente discernia os erros do papado, mais fervorosamente apresentava os ensinos da Escritura Sagrada. Via que Roma abandonara a Palavra de Deus pela tradição humana; destemidamente acusava o sacerdócio de haver banido as Escrituras, e exigia que a Bíblia fosse devolvida ao povo e de novo estabelecida sua autoridade na igreja. Wiclef era ensinador hábil e ardoroso, eloqüente pregador, e a sua vida diária era uma demonstração da verdade que pregava. O conhecimento das Escrituras, a força do seu raciocínio, a pureza de sua vida e sua coragem integridade inflexíveis conquistaram-lhe geram estima e confiança. Muitas pessoas se tinham tornado descontentes com a sua fé anterior, ao verem a iniqüidade que prevalecia na igreja de Roma, e saudaram com incontida alegria a verdade exposta por Wiclef; mas os dirigentes papais encheram-se de raiva quando perceberam que este reformador conquistava maior influência que a deles mesmos.

Wiclef era perspicaz descobridor de erros e atacou destemidamente muitos abusos sancionados pela autoridade de Roma. Quando agia como capelão do rei, assumiu ousada atitude contra o pagamento de tributo que o papa pretendia do monarca inglês e mostrou que pretensão papal de autoridade sobre os governantes seculares era contrária tanto à razão como a revelação. As exigências do papa tinham excitado grande indignação e os ensinos de Wiclef exerceram influência sobre os dirigentes do país. O rei e os nobres uniram-se em negar as pretensões do pontífice à autoridade temporal, e na recusa do pagamento do tributo. Destarte um golpe eficaz foi desferido contra a supremacia papal na Inglaterra.

Outro mal contra que o reformador sustentou longa e resoluta batalha, foi a instituição dos frades mendicantes. Estes frades enxameavam na Inglaterra, lançando uma nódoa à grandeza e prosperidade da nação. A indústria, a educação, a moral, tudo sentia a influência debilitante. A vida de ociosidade e mendicidade dos monges não era grande escoadouro dos recursos do povo, mas lançava o desdém ao trabalho útil. A juventude se desmoralizava e corrompia. Pela influência dos frade muitos eram induzidos a entrar para o claustro e dedicar-se à vida monástica, e isto não só sem o consentimento dos pais, mas mesmo sem seu consentimento e contra as suas ordens. Um dos primitivos padres da Igreja de Roma, insistindo sobre as exigências do monasticismo acima das obrigações do amor e do dever filial, declarou: “Ainda que teu pai se encontrasse deitado diante de tua porta, chorando e lamentando, e a tua mãe te mostrasse o corpo que te carregou e os seios que nutriram, tê-los-ia de pisar a pés e ir avante diretamente a Cristo.” Por esta “monstruosa desumanidade,” como mais tarde Lutero denominou, “que cheira mais a lobo e a tirano do que a cristão ou homem,” empedernia-se o coração dos filhos contra os pais. – Vida de Lutero, de Barnas Sears. Assim, os dirigentes papais, como os fariseus de outrora, tornavam sem efeito o mandamento de Deus, com a sua tradição. Assim se desolavam lares, e pais ficavam privados da companhia dos filhos e filhas.

Mesmo os estudantes das universidades eram enganados pelas falsas representações dos monges, e induzidos a unir-se às suas ordens. Muitos mais tarde se arrependiam deste passo, vendo que haviam prejudicado a própria vida e causado tristeza aos pais; mas, uma vez presos na armadilha, era-lhes impossível obter liberdade. Muitos pais, temendo a influência dos monges, recusavam-se a enviar os filhos às universidades. Houve assinalada redução no número dos estudantes que freqüentavam os grandes centros de ensino. As escolas feneciam e prevalecia a ignorância.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Arautos de uma era melhor - Parte I

Antes da Reforma, houve por vezes pouquíssimos exemplares da Escritura Sagrada; mas Deus não consentira que Sua Palavra fosse totalmente destruída. Suas verdades não deveriam estar ocultas para sempre. Tão facilmente Ele poderia desacorrentar as palavras da vida como abrir portas de prisões e desaferrolhar portais de ferro para pôr em liberdade a Seus servos. Nos vários países da Europa homens eram movidos pelo Espírito de Deus a buscar a verdade como a tesouros escondidos. Providencialmente guiados às Santas Escrituras, estudavam as páginas sagradas com interesse profundo. Estavam dispostos a aceitar a luz, a qualquer custo. Posto que não vissem todas as coisas claramente, puderam divisar muitas verdades havia muito sepultadas. Como mensageiros enviados pelo Céu, saíam rompendo as cadeias da superstição e chamando aos que haviam estado durante tanto tempo escravizados, a levantar-se e assegurar a sua liberdade.

Como exceção do que se passava entre os valdenses, a Palavra de Deus estivera durante séculos encerrada em língua apenas conhecidas pelos eruditos; chegara, porém, o tempo para que as Escrituras fossem traduzidas e entregues ao povo dos vários países em sua língua materna. Passara para o mundo a meia-noite. As horas de trevas estavam a esvair-se e em muitas terras apareciam indícios da aurora a despontar.

No século XVI surgiu na Inglaterra um homem que devia ser considerado “a estrela da manhã da reforma.” João Wiclef foi o arauto da Reforma, não somente para a Inglaterra, mas para toda a cristandade. O grande processo contra Roma, que lhe foi dado proferir, jamais deveria silenciar. Aquele processo abriu a luta de que deveria resultar a emancipação de indivíduos, igrejas e nações.

Wiclef recebeu educação liberal, e para ele o temor do Senhor era o princípio da sabedoria. No colégio se distinguira pela fervorosa piedade bem como por seus notáveis talentos e perfeito preparo escolar. Em sua sede de saber procurava familiarizar-se com todo ramo de conhecimento. Foi educado na filosofia escolástica, nos cânones da igreja e na lei civil, especialmente a de seu próprio país. Em seus trabalhos subseqüentes evidenciou-se o valor destes primeiros estudos. Um conhecimento proficiente da filosofia especulativa de seu tempo, habilitou a expor os erros dela; e, mediante o estudo das leis civis e eclesiásticas, preparou-se para entrar na grande luta pela liberdade civil e religiosa. Não só sabia manejar as armas tiradas da Palavra de Deus, mas também havia adquirido a disciplina intelectual das escolas e compreendia a tática dos teólogos escolásticos. O poder de seu gênio e a extensão e proficiência de seus conhecimentos impunham o respeito de amigos bem como de inimigos. Seus adeptos viam com satisfação que seu herói ocupava lugar preeminente entre os espíritos dirigentes da nação; e seus inimigos eram impedidos de lançar o desprezo à causa da Reforma, exprobrando a ignorância ou fraqueza do que a mantinha.

Quando ainda no colégio, Wiclef passou a estudar as Escrituras Sagradas. Naqueles primitivos tempos em que a Bíblia existia apenas nas línguas antigas, os eruditos estavam habilitados a encontrar o caminho para a fonte da verdade, o qual se achava fechado às classes incultas. Assim, já fora preparado o caminho para o trabalho futuro de Wiclef como Reformador. Homens de saber haviam estudado a Palavra de Deus e encontrado a grande verdade de Sua livre graça, ali revelada. Em seus ensinos tinham disseminado o conhecimento desta verdade e levado outros a volverem aos Oráculos vivos.

Quando a atenção de Wiclef se volveu às Escrituras, passou com a mesma proficiência que o havia habilitado a assenhorear-se da instrução das escolas. Até ali tinha ele sentido grande necessidade que nem seus estudos escolásticos nem o ensino da igreja puderam satisfazer. Na Palavra de Deus encontrou o que antes em vão procurara. Ali viu revelado o plano da salvação, e Cristo apresentado como único advogado do homem. Entregou-se ao serviço de Cristo e decidiu-se a proclamar as verdades que havia descoberto.

Um povo que difunde luz - Parte VIII

Em muitos casos não mais se via o mensageiro da verdade. Seguira para outros países, ou a vida se lhe consumia em algum calabouço desconhecido, ou talvez seus ossos estivessem alvejando no local em que testificara da verdade. Mas as palavras que deixara após si, não poderiam ser destruídas. Estavam a fazer sua obra no coração dos homens; os benditos resultados só no dia do juízo se revelarão plenamente.

Os missionários valdenses estavam invadindo o reino de Satanás, e os poderes das trevas despertaram para maior vigilância. Todo esforço para avanço da verdade era observado pelo príncipe do mal, e ele excitava os temores dos seus agentes. Os chefes papais viram grande perigo para a sua causa no trabalho destes humildes itinerantes. Se fosse permitido à luz da verdade resplandecer sem impedimento, varreria as pesadas nuvens do erro que envolviam o povo; haveria de dirigir o espírito dos homens a Deus unicamente, talvez destruindo, afinal, a suprem de Roma.

A própria existência deste povo, mantendo a fé da antiga igreja, era testemunho constante da apostasia de Roma, e portanto exercia o ódio e perseguição mais atrozes. Sua recusa de renunciar às Escrituras era também ofensa que Roma não podia tolerar. Decidiu-se ela a exterminá-los da Terra. Começaram então as mais terríveis cruzadas contra o povo de Deus em seus lares montesinos puseram-se inquisidores em suas pegadas, e a cena do inocente Abel tombando ante o assassino Caim repetia-se freqüentemente.

Reiteradas vezes foram devastadas as suas férteis terras, destruídas as habitações e capelas de maneira que onde houvera campos florescentes e lares de um povo simples a laborioso, restava apenas um deserto. Assim como o animal de rapina se torna mais feroz provando sangue, a ira dos sectários do papa acendia-se com maior intensidade com o sofrimento de suas vítimas. Muitas dessas testemunhas da fé pura foram perseguidos através das montanhas e caçadas nos vales em que se achavam escondidas, encerradas por enormes florestas e píncaros rochosos.

Nenhuma acusação se poderia fazer contra o caráter moral da classe proscrita. Mesmo seus inimigos declaravam serem eles um povo pacífico, sossegado e piedoso. Seu grande crime era não quererem adorar a Deus segundo a vontade do papa. Por tal crime, toda humilhação, insulto e tortura que homens ou diabos podiam inventar, amontoaram-se sobre eles.

Determinado-se Roma a exterminar a odiada seita, uma bula foi promulgada pelo papa, condenando-os como hereges e entregando-os ao morticínio. Não eram acusados como desonestos, ociosos ou desordeiros; mas declarava-se que tinham aparência de piedade e santidade que seduzia “as ovelhas do verdadeiro aprisco”. Portanto ordenava o papa que “aquela maligna e abominável seita de perversos,” caso recusasse a abjurar, “fosse esmagada como serpentes venenosas” - Wilie. Esperava o altivo potentado ter de responder por estas palavras? Sabiam que estavam registradas nos livros do Céu, para lhe serem apresentadas no dia do juízo? “Quando o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos,” disse Jesus, “a Mim o fizestes.” Mateus 25:40.

Essa bula convocava a todos os membros da igreja para se unirem à cruzada contra os hereges. Como incentivo a se empenharem a obra cruel, “absolvia-se de todas as penas e castigos eclesiásticos, gerais e particulares; desobrigava a todos os que se unissem à cruzada de qualquer juramento que pudessem ter feito; legitimava-lhes o direito a qualquer propriedade que pudessem ter ilegalmente adquirido; e prometia remissão dos pecados aos que matassem algum herege. Anulava os contratos feitos em favor dos valdenses, ordenava que seus criados os abandonassem, proibia a toda pessoa dar-lhes qualquer auxílio que fosse e a todos permitia tomar posse de sua propriedade.” - Wilie. Este documento revela claramente o espírito que o ditou. É o bramido do dragão, e não voz de Cristo, que nele se ouvia.

Os dirigentes papais não queriam conformar seu caráter com a grande norma da lei de Deus, mas erigiram uma norma que lhes fosse conveniente, e decidiram obrigar todos a se conformarem com a mesma porque Roma assim o desejava. As mais horríveis tragédias foram encenadas. Sacerdotes e papas corruptos e blasfemos estavam a fazer a obra que Satanás lhes designava. A misericórdia não encontrava guarida em sua natureza. O mesmo espírito que crucificou Cristo e matou os apóstolos, o mesmo que impulsionou o sanguinário Nero contra os fiéis de seu tempo, estava em operação a fim de exterminar da Terra os que eram amados de Deus.

As perseguições desencadeadas durante muitos séculos sobre este povo temente a Deus, foram por ele suportada com paciência e constância que honravam seu Redentor. Apesar das cruzadas contra eles e da desumana carnificina a que foram sujeitos, continuavam a mandar seus missionários a espalhar a preciosa verdade. Eram perseguidos até a morte; contudo seu sangue regava a semente lançada, e esta não deixou de produzir fruto. Assim os valdenses testemunharam de Deus, séculos antes do nascimento de Lutero. Dispersos em muitos países, plantaram a semente da reforma que se iniciou no tempo de Wiclef, cresceu larga e profundamente nos dias de Lutero, e deve ser levada avante até o final do tempo por aqueles que também estão dispostos a sofrer todas as coisas pela “Palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo”. Apocalipse 1:09.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte VII

Ardorosamente desvendava o missionário valdense as preciosas verdades do Evangelho ao espírito inquiridor. Citava com precaução as porções cuidadosamente copiadas da Sagrada Escritura. Era a sua máxima alegria infundir esperança à alma conscienciosa, ferida pelo pecado, e que tão somente podia ver um Deus de vingança, esperando para executar justiça. Com lábios trêmulos e olhos lacrimosos, muitas vezes com os joelhos curvados, expunham a seus irmãos as preciosas promessas que revelam a única esperança para o pecador. Assim a luz da verdade penetrava muita alma obscurecida, fazendo recuar a nuvem lúgubre até que o Sol da justiça resplandecesse no coração, trazendo saúde em seus raios. Dava-se amiúde de alguma porção das Escrituras ser lida várias vezes, desejando o ouvinte que fosse repetida, como se quisesse assegurar-se de que tinha ouvido bem. Em especial se desejava, de maneira ávida, a repetição destas palavras: “O sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado.” I João 7:07. “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. I João 3:14 e 15.

Muitos não se iludiam em relação às pretensões de Roma. Viam quão vã é a mediação de homem ou anjos em favor do pecador. Raiando-lhes na mente a verdadeira luz, exclamavam com regozijo: “Cristo é meu Sacerdote; Seu sangue é meu sacrifício; Seu altar é meu confessionário.” Confiavam-se inteiramente aos méritos de Jesus, repetindo as palavras: “Sem fé é impossível agradar-Lhe.” Hebreus 11:06. “Nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.” Atos 4:12.

A certeza do amor do Salvador parecia, a algumas d destas pobres almas agitadas pela tempestade, coisa por demais vasta para ser abrangida. Tão grande era o alívio que sentiam, tal a inundação de luz que lhes sobrevinha, que pareciam transportadas para o Céu. Punham confiantemente suas mãos na de Cristo; firmavam os pés sobre a Rocha dos séculos. Bania-se todo o temor da morte. Podiam agora ambicionar a prisão e a fogueira se desse modo honrassem o nome de seu Redentor.

Em lugares ocultos era a palavra de Deus apresentada e lida, algumas vezes a uma única alma, outras, a um pequeno grupo que anelava a luz e a verdade. Amiúde a noite toda era passada desta maneira. Tão grande era o assombro e a admiração dos ouvintes que o mensageiro da misericórdia freqüentemente se obrigado a cessar a leitura até que o entendimento pudesse apreender a boas novas da salvação. Era comum proferirem-se palavras como estas: “Aceitará Deus em verdade a minha oferta? Olhar-me-á benignamente? Perdoar-me-á Ele?” Lia-se a resposta: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei.” Mateus 11:28.

A fé se apegava à promessa, ouvia-se a alegre resposta: “Nada mais de longas peregrinações; nada de penosas jornadas aos relicários sagrados. Posso ir a Jesus tal como estou, pecador e ímpio, e Ele não desprezará a oração de arrependimento. 'Perdoados te são os teus pecados.' Os meus pecados, efetivamente os meus, podem ser perdoados!”

Enchia o coração uma onda de sagrada alegria e o nome de Jesus era engrandecido em louvores e ações de graças. Estas almas felizes voltavam para casa a fim de difundir a luz, repetir aos outros tão bem quanto podiam, a nova experiência, de que acharam o caminho verdadeiro e vivo. Havia um estranho e solene poder nas palavras das Escrituras, que falava diretamente ao coração dos que se achavam anelantes pela verdade. Era a voz de Deus que levava a convicção aos que ouviam.

O mensageiro da verdade continuava o seu caminho; mas seu aspecto de humildade, sua sinceridade, ardor e profundo fervor eram assuntos de observação freqüente. Em muitos casos os ouvintes não perguntavam de onde viera e para onde ia. Ficavam tão dominados, a princípio pela surpresa e depois pela gratidão e alegria, que não pensavam em interrogá-lo. Quando insistiam com ele para os acompanhar a suas casas, respondia-lhes que deviam visitara as ovelhas perdidas do rebanho. Não seria ele um anjo do Céu? Indagavam.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte VI

ornar conhecido o objetivo de sua missão seria assegurar a derrota; ocultavam, portanto, cautelosamente seu verdadeiro caráter. Cada ministro possuía conhecimento de algum ofício ou profissão e os missionários prosseguiam na obra sob a aparência de vocação secular. Usualmente escolhiam o de mercador ou vendedor ambulante. “Levavam sedas, jóias e outros artigos que naquele tempo não se compravam facilmente, a não ser em mercados distantes; e eram bem recebidos como negociantes onde teriam sido repelidos como missionários”. Wylie. Em todo o tempo seu coração se levantava a Deus rogando sabedoria a fim de apresentar um tesouro mais precioso do que ouro ou jóias. Levavam secretamente consigo exemplares da Escritura Sagrada, no todo ou em parte; quando quer que se apresentasse oportunidade, chamavam a atenção dos fregueses para os manuscritos. Muitas vezes assim se despertava o interesse de ler a Palavra de Deus, e alguma porção era de bom grado deixada com os que desejavam receber.

A obra desses missionário começava nas planícies e vales ao pé de suas próprias montanhas, mas estendia-se muito além destes limites. Descalços e com vestes singelas e poentas da jornada como eram as de seu Mestre, passavam por grandes cidades e penetravam em longínquas terras. Por toda parte espalhavam a preciosa verdade. Surgiam igrejas em seu caminho e o sangue do mártires testemunhavam da verdade. O dia de Deus revelará rica messe de almas enceleiradas pelos labores destes homens fiéis. Velada e silenciosa, a Palavra de Deus rompia caminho através da cristandade e tinha alegre acolhida nos lares e corações.

Para os valdenses não eram as Escrituras simplesmente o trato de Deus para com os homens do passado e a revelação das responsabilidades e deveres do presente, mas o desvendar os perigos e glórias do futuro. Acreditavam que o fim de todas as coisas não estava muito distante; e, estudando a Bíblia com oração e lágrimas, mais profundamente se impressionavam com suas preciosas declarações e com o dever de tornar conhecidas a outros as suas verdades salvadoras. Viam o plano da salvação claramente revelado em suas páginas sagradas e encontravam conforto, esperança e paz crendo em Jesus. Ao iluminar-lhes a luz do entendimento e ao alegrar-lhes ela o coração, anelavam derramar seus raios sobre os que se achavam nas trevas do erro papal.

Viam que sob a direção do papa e dos sacerdotes, multidões debalde se esforçavam para obter perdão afligindo o corpo por causa do pecado da alma. Ensinado a confiarem nas boas obras para se salvarem, estavam sempre a olhar para si mesmos, ocupando a mente com sua condição pecaminosa, vendo-se expostos à ira de Deus, afligindo alma e corpo, não achando contudo, alívio. Almas conscienciosas eram, destarte, enredadas pelas doutrinas de Roma. Milhares abandonavam amigos e parentes, passando a vida nas celas dos conventos. Por meio de freqüentes jejuns e cruéis açoitamentos, por vigílias à meia noite, prostrando-se durante horas cansativas sobre as lajes frias e úmidas de sua lúgubre habitação, por longas peregrinações, penitências humilhantes e terrível tortura, milhares procuravam baldadamente obter paz de consciência. Oprimidos por uma intuição de pecado e perseguidos pelo temor da ira vingadora de Deus, muitos continuavam a sofrer até a natureza exausta se rendia e, sem um resquício de luz ou esperança, baixavam à sepultura.

Os valdenses ansiavam por partir a estas almas famintas o pão da vida, revelar-lhes as mensagens de paz das promessas de Deus e apontar-lhes a Cristo como a única esperança da salvação. Tinham por falsa a doutrina de que as boas obras podem expiar a transgressão da lei de Deus. A confiança nos méritos humanos faz perder de vista o amor infinito de Cristo. Jesus morreu como sacrifício pelo homem porque a raça caída nada pode fazer para se recomendar a Deus. Os méritos de um Salvador crucificado e ressurgido são o fundamento da fé cristã. A dependência da alma para com Cristo é tão real, e sua união com Ele deve ser tão íntima como a do membro para com o corpo, ou da vara para com videira.

Os ensinos dos papas e sacerdotes haviam levado os homens a considerar o caráter de Deus, e mesmo o de Cristo, como severo, sombrio e repelente. Representava-se o Salvador tão destituído de simpatia para com o homem em seu estado decaído, que devia ser invocado a mediação de sacerdotes e santos. Aqueles cuja mente fora iluminada pela palavra de Deus, anelavam guiar estas almas a Jesus, como seu compassivo e amante Salvador que permanece de braços estendidos a convidar todos a irem a Ele com seu fardo de pecados, seus cuidados e fadigas. Almejavam remover os obstáculos que Satanás havia acumulado para que os homens não pudessem ver as promessas, e ir diretamente a Deus, confessando os pecados e obtendo perdão e paz.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte V

Conquanto os valdenses considerassem o temor do Senhor como o princípio da sabedoria, não eram no tocante à importância do contato com o mundo, do conhecimento dos homens e da vida ativa, para expandir o espírito e avivar as percepções. De suas escolas nas montanhas alguns dos jovens foram enviados a instituições de ensino nas cidades da França ou Itália, onde havia campo mais vasto para o estudo, pensamento e observação, do que nos Alpes nativos. Os jovens assim enviados estavam mais expostos à tentação, testemunhavam o vício, defrontavam-se com os astuciosos agentes de Satanás, que lhes queriam impor as mais sutis heresias e os seus mais perigosos enganos. Mas sua educação desde a meninice fora de molde a prepará-los para tudo isto.

Nas escolas aonde iam, não deveriam fazer confidentes a quem quer que fosse. Suas vestes eram preparadas de maneira a ocultar seu máximo tesouro – os preciosos manuscritos das Escrituras. A estes, frutos de meses e anos de labuta, levavam consigo e, sempre que o podiam fazer sem despertar suspeita, cautelosamente punham uma porção ao alcance daqueles cujo coração parecia aberto para receber a verdade. Desde os joelhos da mãe a juventude valdense havia educada com este propósito em vista; compreendiam o trabalho e fielmente o executavam. Ganhavam-se conversos à verdadeira fé nessas instituições de ensino, freqüentemente se encontravam seus princípios a penetrar a escola toda; contudo os chefes papais não podiam pelo mais minucioso inquérito descobrir a fonte da chamada heresia corruptora.

O espírito de Cristo é espírito missionário. O primeiro impulso do coração regenerado é levar outros também ao Salvador. Tal foi o espírito dos cristãos valdenses. Compreendiam que Deus exigia mais deles do que simplesmente preservar a verdade em sua pureza, nas suas próprias igrejas; e que sobre eles repousava a solene responsabilidade de deixarem a sua luz resplandecer aos que se achavam em trevas. Pelo forte poder da palavra de Deus procuravam romper o cativeiro que Roma havia imposto.

Os ministros valdenses eram educados como missionários exigindo-se de cada um que tivesse a expectativa de entrar para o ministério, aquisição de experiência como evangelista. Cada um deveria servir por três anos em algum campo missionário antes de assumir o encargo de uma igreja em seu país. Este serviço, exigindo logo de começo renúncia e sacrifício, era introdução apropriada à vida pastoral naqueles tempos que punham à prova a alma. Os jovens que recebiam a missão para o sagrado mister, viam diante de si, não a perspectiva de riquezas e glória terrestre, mas uma vida de trabalhos e perigo, e possivelmente o destino de mártir. Os missionários iam de dois em dois, como Jesus enviara Seus discípulos. Cada jovem tinha usualmente por companhia um homem de idade e experiência, achando-se aquele sob a orientação do companheiro, que ficava responsável por seu ensino, e a cuja instrução se esperava que seguisse. Estes coobreiros não estavam sempre juntos, mas muitas vezes se reunião para orar e aconselhar-se, fortalecendo-se assim mutuamente na fé.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte IV

Os pais, ternos e afetuosos como eram, tão sabiamente amavam os filhos que não permitiam que se habituassem à condescendência própria. Esboçava-se diante deles um vida de provações e agruras, talvez a morte de mártir. Eram ensinados desde a infância a suportar rudezas, a sujeitar-se ao domínio, e contudo a pensar e agir por si mesmos. Muito cedo eram ensinados a arrostar responsabilidades, a serem precavidos no falar e a compreenderem a sabedoria do silêncio. Uma palavra indiscreta que deixassem cair no ouvido dos inimigos, poderia não somente pôr em perigo a vida de quem falava, mas centenas de seus irmãos; pois semelhantes a lobos à caça da presa, os inimigos da verdade perseguiam os que ousavam reclamar liberdade para a fé religiosa.

Os valdenses haviam sacrificado prosperidade temporal por amor à verdade, e com paciência perseverante labutavam para ganhar o pão. Cada recanto da terra cultivável entre as montanhas era cuidadosamente aproveitado; fazia-se com que os vales e as encostas menos férteis das colinas também produzissem. A economia e a severa renúncia de si próprio formavam parte da educação de que os filhos recebiam como seu único legado. Ensinava-se-lhes que Deus determinara fosse a vida uma disciplina e que suas necessidades poderiam se supridas apenas mediante o trabalho pessoal, previdência, cuidado e fé. O processo era laborioso e fatigante, mas salutar, precisamente de que o homem necessita em seu estado decaído – escola que Deus proveu para o seu ensino e desenvolvimento. Enquanto os jovens habituavam ao trabalho e asperezas, a cultura do intelecto não era negligenciada. Ensinava-se-lhes que todas as suas capacidades pertenciam a Deus, e que deveriam todas ser aperfeiçoadas e desenvolvidas para o Seu serviço.

As igrejas valdenses em sua pureza e simplicidade, assemelhavam-se à igreja dos tempos apostólicos. Rejeitando a supremacia do papa e prelados, mantinham a Escritura Sagrada como única autoridade suprema, infalível. Seus pastores, diferentes dos altivos sacerdotes de Roma, seguiam o exemplo seu Mestre que “veio não para ser servido, mas para servir.” Alimentavam o rebanho de Deus, guiando-os às verdes pastagens e fontes vivas de Sua santa Palavra. Longe dos monumentos da pompa e orgulho humano, o povo congregava-se, não em igrejas suntuosas e catedrais, mas à sombra das montanhas nos vales alpinos, ou tempo de perigo, em alguma fortaleza rochosa, a fim de escutar as palavras da verdade proferidas pelos servos de Cristo. Os pastores não somente pregavam o Evangelho, mas visitavam os doentes, doutrinavam as crianças, admoestavam aos que erravam e trabalhavam para resolver as questões e promover harmonia e amor fraternal. Em tempos de paz eram sustentados por ofertas voluntárias do povo; mas, como Paulo, o fabricante de tendas, cada qual aprendia um ofício ou profissão, mediante a qual, sendo necessário, proveria o sustento próprio.

De seus pastores recebiam os jovens instrução. Conquanto se desse atenção aos ramos dos conhecimentos gerais, fazia-se da Escritura Sagrada o estudo principal. Os Evangelhos de Mateus e João eram confiados à memória, juntamente com muitas das epístolas. Também se ocupavam em copiar as Escrituras. Alguns manuscritos continham a Bíblia toda, outros apenas breves excertos a que algumas simples explicações do texto eram acrescentadas por aqueles que eram capazes de comentar as Escrituras. Assim se apresentavam os tesouros da verdade durante tanto tempo ocultos pelos que procuravam exaltar-se acima de Deus.

Mediante pacientes e incansáveis labores, por vezes nas profundezas e escuras cavernas da Terra, à luz de archotes, eram copiadas as Escrituras Sagradas, versículo por versículo, capítulo por capítulo. Assim a obra prosseguia, resplandecendo, qual ouro puro, a vontade revelada de Deus; e quanto mais brilhante, clara e poderosa era por causa das provações que passavam por seu amor, apenas o poderiam compreender os que se achavam empenhados em obra semelhante. Anjos celestiais circundavam os fiéis obreiros.

Satanás incitara sacerdotes e prelados a enterrarem a palavra da verdade sob a escória do erro, heresia e superstição; mas de modo maravilhosíssimo foi ela conservada incontaminada através de todos os séculos de trevas. Não trazia o cunho do homem, mas a impressão divina. Os homens se têm demonstrado incansáveis em seus esforços para obscurecer o claro e simples sentido das Escrituras, e fazê-las contradizerem seu próprio testemunho; porém, semelhante à arca sobre as profundas águas encapeladas, a Palavra de Deus leva de vencida as borrascas que a ameaçam de destruição. Assim como tem a mina ricos veios de ouro e prata ocultos sob a superfície, de maneira que todos os que desejam descobrir os preciosos depósitos devem cavar, assim as Sagradas Escrituras tem tesouros de verdade que são revelados unicamente ao ardoroso, humilde e devoto pesquisador. Deus destinara a Bíblia a ser um compêndio para toda a humanidade, na infância, na juventude e idade madura, devendo ser estudada através de todos os tempos. Deu sua Palavra aos homens como revelação de Si mesmo. Cada nova verdade que se divisa é uma revelação do caráter do seu Autor. O estudo das Escrituras é o meio divinamente ordenado para levar o homem a mais íntima comunhão com seu Criador e dar-lhe mais claro conhecimento de Sua vontade. É o meio de comunicação entre Deus e o homem.


Um povo que difunde luz - Parte III

Os valdenses foram os primeiros dentre os povos da Europa a obter a tradução das Sagradas Escrituras. Centenas de anos antes da Reforma, possuíam a Bíblia em manuscrito língua na materna. Tinham a verdade incontaminada, e isto os tornava objeto especial do ódio e perseguição. Declaravam ser a igreja de Roma a Babilônia apóstata do Apocalipse, e como perigo de vida erguiam-se para resistir as suas corrupções. Opressos pela prolongada perseguição, alguns comprometeram a sua fé, cedendo pouco a pouco em seus princípios distintivos, enquanto outros sustentavam firme a verdade. Durante séculos de trevas e apostasia, houve alguns dentre os valdenses que negavam a supremacia de Roma, rejeitavam o culto às imagens como idolatria e guardavam o verdadeiro sábado. Sob as mais atrozes tempestades da oposição conservaram a fé. Acossados embora pela espada dos saboianos e queimados pela fogueira romana, mantiveram-se sem hesitação ao lado da Palavra de Deus e de Sua honra.

Por trás dos elevados baluartes das montanhas – em todos os tempos refúgio dos perseguidos e oprimidos – o valdenses encontraram esconderijo. Ali, conservou-se a luz da verdade a arder por entre as trevas da Idade Média. Ali, durante mil anos, testemunhas da verdade mantiveram a antiga fé.

Deus providenciara para o Seu povo um santuário de majestosa grandeza, de acordo com as extraordinárias verdades confiadas à sua guarda. Para os fiéis exilados eram as montanhas um emblema da imutável justiça de Jeová. Apontavam eles a seus filhos as alturas sobranceiras,em sua imutável majestade, e falava-lhes Daquele em Quem não mudança nem sombra de variação, cuja palavra é tão perdurável como os montes eternos. Deus estabelecera firmemente as montanhas e as cingira de fortaleza; braço algum, a não ser o Poder infinito, poderia movê-las do lugar. De igual modo estabelecera Ele a Sua lei – fundamento de Seu governo no Céu e na Terra. O braço do homem poderia atingir a seus semelhantes e destruir-lhes a vida; mas esse braço seria tão impotente para desarraigar as montanhas de seu fundamento e precipitá-las no mar como para mudar um preceito da lei de Jeová ou anular qualquer de suas promessas aos que Lhe fazem a vontade. Na fidelidade para com a Sua lei, os servos de Deus deviam ser tão firmes como os outeiros imutáveis.

As montanhas que cingiam os fundos vales eram testemunhas constantes do poder criador de Deus e afirmação infalível de seu cuidado protetor. Esses peregrinos aprenderam a amar os símbolos silenciosos da presença de Jeová. Não condescendiam com murmurações por causa das agruras da sorte; nunca se sentiam abandonados na solidão das montanhas. Agradeciam a Deus por haver-lhes provido refúgio da ira e crueldade dos homens. Regozijavam-se diante Dele na liberdade de prestar culto. Muitas vezes quando perseguidos pelos inimigos, a fortaleza das montanhas se provara ser defesa segura. De muitos rochedos elevados entoavam eles louvores a Deus e exércitos de Roma não podiam silenciar seus cânticos de ações de graças.

Pura, singela e fervorosa era a piedade desses seguidores de Cristo. Os princípios da verdade avaliavam-nos eles acima de casas e terras, amigos, parentes, e mesmo da própria vida. Semelhantes princípios ardorosamente procuravam eles gravar no coração dos jovens. Desde a mais tenra infância os jovens eram instruídos nas Escrituras e ensinava-se-lhes santos os requisitos da lei de Deus. Sendo raros os exemplares das Escrituras Sagradas eram suas preciosas palavras confiadas à memória. Muitos eram capazes de repetir longas porções tanto do Velho como do Novo Testamento. Os pensamentos de Deus associavam-se ao sublime cenário da Natureza e às humildes bênçãos da vida diária. Criancinhas aprendiam a olhar com gratidão a Deus como doador de toda a mercê e conforto.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte II

Em terras que ficavam além da jurisdição de Roma, existiram por muitos séculos corporação de cristãos que permaneceram quase inteiramente livres da corrupção papal. Estavam rodeados de pagãos e, no transcorrer dos séculos, foram afetados por seus erros; mas continuaram a considerar a Escritura Sagrada como a única regra de fé, aceitando muito de suas verdades. Estes cristãos acreditavam na perpetuidade da lei de Deus e observavam o sábado do quarto mandamento. Igrejas que se mantinham nesta fé e prática, existiram na África Central e entre os armênios, na Ásia.

Mas dentre os que resistiram ao cerco cada vez mais apertado do poder papal, os valdenses ocuparam posição preeminente. A falsidade e corrupção papal encontraram a mais decidida resistência na própria terra em que o papa fixara a sede. Durante séculos as igrejas do Piemonte mantiveram-se independentes; mas afinal chegou o tempo em que Roma insistiu em submetê-las. Depois de lutas inúteis contra a tirania, os dirigentes destas igrejas reconheceram relutantemente a supremacia do poder que o mundo todo parecia render homenagem. Alguns houve, entretanto, que se recusaram ceder à autoridade do papa ou do prelado. Estavam decididos a manter sua fidelidade a Deus, e preservar a pureza e simplicidade de fé. Houve separação. Os que se apegaram a antiga fé, retiraram-se; alguns, abandonando os alpes nativos, alçaram a bandeira da verdade em terras estrangeiras; outros se retraíram para o vales afastados e fortalezas das montanhas, e ali preservaram a liberdade de culto a Deus.

A fé que durante muitos séculos fora mantida e ensinada pelos cristãos valdenses, estava em assinalado contraste com as falsas doutrinas que Roma apresentava. Sua crença religiosa baseava-se na Palavra escrita de Deus – o verdadeiro documento religioso do cristianismo. Mas aqueles humildes camponeses, em seu obscuro retiro, excluídos do mundo e presos à labuta diária entre seus rebanhos e vinhedos, não haviam por si sós chegado à verdade em oposição aos dogmas e heresias da igreja apóstata. A fé que professavam não era nova. Sua crença religiosa era a herança de seus pais. Lutavam pela fé da igreja apostólica – a “fé que uma vez foi dada aos santos.” Judas 3. “A igreja no deserto” e não a orgulhosa hierarquia entronizada na grande capital do mundo, era a verdadeira igreja de Cristo, a depositária dos tesouros da verdade que Deus confiara a seu povo para ser dada ao mundo.

Entre as principais causas que levaram a igreja verdadeira a separar-se de Roma, estava o ódio desta ao sábado bíblico. Conforme fora predito pela profecia, o poder papal lançou a verdade por terra. A lei de Deus foi conculcada no pó, enquanto se exaltavam as tradições e costumes dos homens. As igrejas que estavam sob o governo do papado, foram logo compelidas a honrar o domingo como dia santo. No meio do erro e superstição que prevaleciam, muitos, mesmo dentre o verdadeiro povo de Deus, ficaram tão desorientados que ao mesmo tempo em que observavam o sábado, abstinham-se do trabalho também no domingo. Isto, porém, não satisfazia aos chefes papais. Exigiam que não somente fosse santificado o domingo, mas que o sábado fosse profanado; e com a mais violenta linguagem denunciavam os ousavam honrá-lo. Era unicamente fugindo do poder de Roma que alguém em paz poderia obedecer a lei de Deus.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Um povo que difunde luz - Parte I

Por entre as trevas que baixaram a Terra durante o longo período da supremacia papal, a luz da verdade não poderia ficar inteiramente extinta. Em cada época houve testemunhas de Deus – homens que acalentavam a fé em Cristo como o único mediador entre Deus e o homem, que mantinham a Escritura Sagrada como a única regra de vida, e santificavam o verdadeiro sábado. Quanto o mundo deve a estes homens, a posteridade jamais saberá. Foram estigmatizados como hereges, impugnados os seus motivos, criticado o seu caráter, e suprimidos, difamados ou mutilados os seus escritos. No entanto, permaneceram firmes, e de século em século mantiveram a fé em sua pureza como sagrado legado às gerações vindouras.

A história do povo de Deus durante os séculos de trevas que seguiram à supremacia de Roma, está escrita no Céu, mas pouco espaço ocupa nos registros humanos. Poucos traços de sua existência se podem encontrar, a não ser nas acusações de seus perseguidores. Foi tática de Roma obliterar todo vestígio de dissidência de suas doutrinas ou decretos. Tudo o que fosse herético, quer pessoas quer escritos, procurava ela destruir. Expressões de dúvida ou questões quanto à autoridade dos dogmas papais eram suficientes para tirar a vida do rico ou pobre, elevado ou humilde. Roma se esforçava também por destruir todo o registro de sua crueldade para com os que dissentiam dela. Os concílios papais decretavam que livros ou escritos contendo relatos desta natureza deviam ser lançados às chamas. Antes da invenção da imprensa, os livros eram poucos numerosos, e de forma desfavorável à preservação; portanto pouco havia a impedir que os romanistas levassem a efeito o seu desígnio.

Nenhuma igreja dentro dos limites da jurisdição romana ficou mutio tempo sem ser perturbada no gozo da liberdade de consciência. Mal o papado obtivera o poder, estendendo os braços para esmagar a todos os que recusassem a reconhecer-lhe o domínio; e, uma após outra, submeteram-se as igrejas ao seu governo.

Na Grã-Bretanha o primeiro cristianismo mutio cedo deitou raízes. O evangelho recebido pelos bretões nos primeiros séculos, não se achava então corrompido pela apostasia romana. A perseguição dos imperadores pagãos, que se estendeu até aquelas praias distantes, foi a única dádiva que a primeira igreja da Bretanha recebeu de Roma. Muitos dos cristãos, fugindo da perseguição na Inglaterra, encontraram refúgio na Escócia; daí a verdade foi levada a Irlanda, sendo em todos estes países recebida com alegria.

Quando os saxões invadiram a Bretanha, o paganismo conserguiu o predomínio. Os conquistadores desdenharam ser instruídos por seus escravos, e os cristãos foram obrigados a retirar-se para as montanhas e agrestes pauis. Não obstante, a luz por algum tempo oculta continuou a arder. Na Escócia, um século mais tarde, brilhou ela com um fulgor que se estendeu a mui longíncuas terras. Da irlanda vieram o piedoso Columba e seus coloboradores, os quais, reunindo em torno de si os crentes dispersos da ilha de Iona, fizeram desta o centro de seus trabalhos missionários. Entre esses evangelistas encontrava-se um observador do sábado bíblico, e assim essa verdade foi introduzida entre o povo. Estabeleceu-se uma escola em Iona, da qual saíram missionários, não somente para a Escócia e Inglaterra, mas para a Alemanha, Suíssa e mesmo para a Itália.

Roma, porém, fixara os olhos na Bretanha e resolvera pô-la sob sua supremacia. No sexto século seus missionários empreenderam a conversão dos pagãos saxões. Foram recebidos como favor pelos orgulhosos bárbaros, e induziram a muitos milhares a professarem a fé romana. O trabalho progredia e os dirigentes papais e seus conversos encontraram os cristãos primitivos. Eloqüente contraste se apresentou. Os últimos eram simples, humildes e de caráter, doutrinas e maneiras segundo as Escrituras, ao passo que os primeiros manifestavam a superstição, a pompa e a arrogância do papado. O emissário de Roma exigiu que estas igrejas reconhecessem a supremacia do soberano pontífice. Os bretões mansamente replicaram que desejavam amar a todos os homens, mas que o papa não tinha direito à supremacia da igreja, e que eles poderia prestar-lhe somente a submissão devida ao seguidor de Cristo. Repetidas tentativas foram feitas para se conseguir a sua adesão a Roma; mas esses humildes cristãos, espantados com orgulho ostentado por seus emissários, firmemente replicavam que não conheciam outro mestre senão Cristo. Revelou-se, então, o verdadeiro espírito do papado. Disse o chefe romano: “Se não receberdes irmãos que vos trazem paz, recebereis inimigos que vos trarão guerra. Se vos não unirdes conosco para mostrar aos saxões o caminho da vida, recebereis deles o golpe de morte.” - História da Reforma do Décimo-sexto Século, D'Aubigné. Não era isto simples ameaça. Guerra, intriga e engano foram empregados contra as testemunhas de uma fé bíblica, até que as igrejas da Bretanha foram destruídas ou obrigadas a submeter-se à autoridade do papa.

Como começaram as trevas morais - Parte V

No século XIII foi estabelecido o mais terrível de todos os estratagemas do papado – a inquisição. O príncipe das trevas trabalhava com os dirigentes da hierarquia papal. Em seus concílios secretos, Satanás e seus anjos dirigiam a mente de homens maus, enquanto, invisíveis entre eles, estava um anjo de Deus, fazendo o relatório de seus iníquos decretos e escrevendo a história de ações por demais horrorosas para serem desvendadas ao humano olhar. A “grande Babilônia” estava “embriagada com o sangue dos santos”. Os corpos mutilados de milhões de mártires pediam vingança a Deus contra o poder apóstata.

O papado se tornou o déspota do mundo. Reis e imperadores curvavam-se aos decretos do pontífice romano. O destino dos homens, tanto temporal como eterno, parecia estar sob seu domínio. Durante séculos as doutrinas de Roma tinham sido extensa e implicitamente recebidas, seus ritos reverentemente praticados, suas festas geralmente observadas. Seu clero era honrado e liberalmente mantido. Nunca a igreja de Roma atingiu maior dignidade, magnificência ou poder.

Mas “o meio dia do papado foi a meia noite do mundo”. – História do Protestantismo, de Wylie. As Sagradas Escrituras eram quase desconhecidas, não somente pelo povo, mas também pelos sacerdotes. Como os fariseus de outrora os dirigentes papais odiavam a luz que revelaria seus pecados. Removida a lei de Deus - a norma da justiça – exerciam eles poder sem limites e praticavam os vícios sem restrições. Prevaleciam a fraude, a avareza, a libertinagem. Os homens não recuavam de crime algum pelo qual pudessem adquirir riqueza ou posição. Os palácios dos papas e prelados eram cenários da mais vil devassidão. Alguns dos pontífices reinantes eram acusados de crimes tão revoltantes que os governadores seculares se esforçavam por depor esses dignitários da igreja como monstros demasiadamente vis para serem tolerados. Durante séculos a Europa não fez progresso no saber, nas artes ou na civilização. Uma paralisia moral e intelectual caíra sobre a humanidade.

A condição do mundo sob o poder romano apresentava o cumprimento terrível e surpreendente das palavras do profeta Oséias: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou conhecimento: porque tu rejeitaste o conhecimento, também Eu te rejeitarei, ...visto que esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos.” Oséias 4:06. “Não verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus na Terra. Só prevalecem o perjurar, e o mentir, e o matar, e o furtar, e o adulterar, e há homicídios sobre homicídios”. Oséias 4:01 e 02. Foram estes os resultados do banimento da palavra de Deus.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Como começaram as trevas morais - Parte IV

Uma flagrante ilustração do caráter tirânico do papa Gregório VII se nos apresenta no modo com que tratou o imperador alemão Henrique IV. Por haver intentado desprezar a autoridade do papa, declarou-o este excomungado e destronado. Aterrorizado pela deserção e ameaças de seus próprio príncipes, que por mandado do papa eram acoroçoados na rebelião contra ele, Henrique pressentiu a necessidade de fazer as pazes com Roma. Em companhia da esposa e de um servo fiel, atravessou os Alpes em pleno inverno, a fim de humilhar-se perante o papa. Chegando ao castelo para onde Gregório se retirara, foi conduzido sem seus guardas, a um pátio externo, e ali, no rigoroso frio do inverno, com a cabeça descoberta, descalço e miseravelmente vestido, esperou a permissão do papa a fim de ir à sua presença. O pontífice não se dignou de conceder-lhe perdão senão depois de haver ele permanecido jejuando e fazendo confissão. Isso mesmo, apenas com a condição de que o imperador esperasse a sanção do papa antes reassumir as insígnias ou exercer o poder da realeza. E Gregório envaidecido com seu triunfo, jactava-se de que era seu dever abater o orgulho dos reis.

Quão notável é o contraste entre o despótico orgulho deste pontífice e a mansidão e a suavidade de Cristo, que representa a Si mesmo a porta do coração a rogar que ali seja admitido, a fim de poder entrar para levar perdão e paz, e que ensinou a seus discípulos: “Qualquer que entre vós quiser ser o primeiro seja vosso servo.” Mateus 20:27.

Os séculos que seguiram testemunharam aumento constante de erros das doutrinas emanadas de Roma. Mesmo antes do estabelecimento do papado, os ensinos dos filósofos pagãos haviam recebido atenção e exercido influência na igreja. Muitos que se diziam conversos ainda se apegavam aos dogmas de sua filosofia pagã, e não somente continuaram no estudo desta, mas encareciam-no a outros como meio de estenderem sua influência entre os pagãos. Erros graves foram introduzidos na fé cristã. Destaca-se entre outros o da crença na imortalidade natural do homem e sua consciência na morte. Esta doutrina lançou o fundamento sobre o qual Roma estabeleceu a invocação dos santos e a adoração da virgem Maria. Disto proveio a heresia do tormento eterno para os que morrem impenitentes, a qual logo de início se incorporara à fé papal.

Achava-se então preparado o caminho para a introdução de ainda outra invenção do paganismo, a que Roma intitulou purgatório e empregou para amedrontar as multidões crédulas e supersticiosas. Com esta heresia afirma-se a existência de um lugar de tormento, no qual as almas dos que não mereceram condenação eterna devem sofrer castigo por seus pecados, e do qual quando libertas da impureza, são admitidas no Céu.

Ainda outra invencionice era necessária para habilitar Roma a aproveitar-se dos temores e vícios dos seus adeptos. Esta foi suprida pela doutrina das indulgências. Completa remissão dos pecados, passados, presentes e futuros, e livramento de todas as dores e penas em que os pecados importam, eram prometidos a todos os que se alistassem nas guerras do pontífice para estender seu domínio temporal, castigar seus inimigos e exterminar os que ousassem negar-lhe a supremacia espiritual. Ensinava-se também ao povo que, pelo pagamento de dinheiro à igreja, poderia livrar-se do pecado e igualmente libertar as almas de seus amigos falecidos que estivessem condenados às chamas atormentadoras. Por esses meios Roma abarrotou os cofres e sustentou a magnificência, o luxo e os vícios dos pretensos representantes Daquele que não tinha onde reclinar a cabeça.

A ordenação escriturística da ceia do Senhor fora suplantada pelo idolátrico sacrifício da missa. Sacerdotes papais pretendiam, mediante esse disfarce destituído de sentido, converter o simples pão e vinho no verdadeiro “corpo e sangue de Cristo.” – Conferência Sobre a “Presença Real”, do Cardeal Wiseman. Com blasfema presunção pretendiam abertamente o poder de criarem Deus, o Criador de todas as coisas. Aos cristãos exigia-se, sob pena de morte, confessar sua fé nesta heresia horrível que insulta o Céu. Multidões que a isto se recusaram foram entregues às chamas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Como começaram as trevas morais - Parte III

No século sexto tornou-se o papado firmemente estabelecido. Fixou-se a sede de seu poderio na cidade imperial e declarou-se ser o bispo de Roma a cabeça de toda a igreja. O paganismo cedera lugar ao papado. O dragão dera à besta “o seu poder, e o seu trono, e grande poderio.” Apocalipse 13:02. E começaram então os 1260 da opressão papal preditos na profecia de Daniel e Apocalipse (Daniel 7:25; Apocalipse 13:05-07). Os cristãos foram obrigados a optar entre renunciar sua integridade e aceitar as cerimônias e cultos papais, ou passar a vida nas masmorras, sofrer a morte pelos instrumentos de tortura, pela fogueira, ou pela machadinha do verdugo. Cumpriu-se as palavras de Jesus: “E até pelos pais, e irmãos, e parentes, e amigos, series entregues, e matarão alguns de vós. E de todos sereis odiados por causa do Meu nome.” Lucas 21:16 e 17.

Desencadeou-se a perseguição sobre os fiéis com maior fúria do que nunca, e o mundo se tornou um vasto campo de batalha. Durante séculos a igreja de Cristo encontrou refúgio no isolamento e obscuridade. Assim diz o profeta: “A mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias.” Apocalipse 12:06.

O acesso da igreja de Roma ao poder assinalou o início da escura Idade Média. Aumentado seu poderio adensavam mais as trevas. De Cristo, o verdadeiro fundamento, transferiu-se a fé para o papa de Roma. Em vez de confiar no Filho de Deus para o perdão dos pecados e para a salvação eterna, o povo olhava para o papa e para os sacerdotes e prelados a quem delegava autoridade. Ensinava-se-lhes ser o papa seu mediador terrestre, e que ninguém poderia se aproximar de Deus senão por seu intermédio; e mais ainda, que ele ficava para eles em lugar de Deus e deveria, portanto, ser implicitamente obedecido. Esquivar-se de suas disposições era motivo suficiente para se infligir a mais severa punição ao corpo e alma dos delinqüentes. Assim a mente do povo desvia-se de Deus para homens falíveis e cruéis, e mais ainda, para o príncipe das trevas que por meio deles exercia seu poder. O pecado se disfarçava sob o manto de santidade. Quando as Escrituras são suprimidas e o homem vem a considerar-se supremo, só podemos esperar fraudes, engano e aviltante iniqüidade. Com a elevação das leis e tradições humanas, tornou-se manifesta a corrupção que sempre resulta de se por de lado a lei de Deus.

Dias de perigo foram aqueles para a igreja de Cristo. Os fiéis porta-estandartes eram na verdade poucos. Posto que a verdade não fosse deixada sem testemunhas, parecia, por vezes, que o erro e a superstição prevaleciam completamente, e a verdadeira religião seria banida da Terra. Perdeu-se de vista o Evangelho, mas multiplicaram-se as formas de religião, e o povo foi sobrecarregado de severas exigências.

Ensinava-se-lhes não somente o papa como o seu mediador, mas a confiar em suas próprias obras para explicação do pecado. Longas peregrinações, atos de penitência, adoração de relíquias, ereção de igrejas, relicário e altares, bem como o pagamento de grandes somas à igreja, tudo isto e muitos atos semelhantes eram ordenados para aplicar a ira de Deus ou assegurar o Seu favor, como se Deus fosse idêntico aos homens, encolerizando-se por ninharias, ou apaziguando-Se com donativos ou atos de penitência!

Apesar de que prevalecesse o vício, mesmo entre os chefes da Igreja de Roma, sua influência parecia aumentar constantemente. Mais ou menos ao findar do oitavo século, os romanistas começaram a sustentar que nas primeiras épocas da igreja os bispos de Roma tinham possuído o mesmo poder espiritual que assumiam agora. Para confirmar essa pretensão, era preciso empregar alguns meios com o fito de lhe dar a aparência de autoridade; e isto foi prontamente sugerido pelo pai da mentira. Antigos escritos foram forjados pelos monges. Decretos de concílios de que antes nada se ouvira foram descobertos estabelecendo a supremacia universal do papa desde os primeiros tempos. E a igreja que rejeitara a verdade, avidamente aceitou estes enganos.

Os pouco fiéis que constituíram sobre o verdadeiro fundamento (I Coríntios 3:10 e 11), ficaram perplexos e entravados quando o entulho das falsas doutrinas obstruiu a obra. Como os edificadores do muro de Jerusalém no tempo de Neemias, alguns se prontificaram a dizer: “Já desfaleceram as forças dos acarretadores, e o pó é muito e nós não podemos edificar o muro.” Neemias 4:10. Cansados da constante luta da perseguição, fraude, iniqüidade e todos os outros obstáculos que Satanás pudera engendrar para deter-lhes o progresso, alguns que haviam sido fiéis edificadores, desanimaram; e por amor da paz e segurança de propriedade e vida, desviaram-se do verdadeiro fundamento. Outros sem se intimidarem com a oposição de seus inimigos, intrepidamente declaravam: “Não os temais: lembrai-vos do Senhor grande e terrível” (Neemias 4:14); e prosseguiam com a obra, cada qual com a espada cingida ao lado (Efésios 1:17).

O mesmo espírito de ódio e oposição à verdade tem inspirado os inimigos de Deus em todos os tempos, e a mesma vigilância e fidelidade têm sido exigidas de Seus servos. As palavras de Cristo aos primeiros discípulos aplicam-se aos seus seguidores até ao final do tempo: “E as coisas que vos digo, digo-as todos: Vigiai”. Marcos 13:37.

As trevas pareciam tornar-se mais densas. Generalizou-se a adoração das imagens e orações se lhes dirigiam. Prevaleciam os costumes mais absurdos e supersticiosos. O espírito dos homens era a tal ponto dirigido pela superstição que a razão mesma parecia perdido o domínio. Entretanto os próprios bispos e sacerdotes eram amantes do prazer, sensuais e corruptos, só se poderio esperar que o povo que os tinha como guias se submergisse na ignorância e vício.

Outro passo deu a presunção quando , no século XI, o papa Gregório VII proclamou a perfeição da Igreja de Roma. Entre as proposições por ele apresentadas uma havia declarando que a igreja nunca tinha errado, nem jamais erraria, segundo as Escrituras. Mas as provas escriturísticas não acompanhavam a asserção. O altivo pontífice também pretendia o poder de depor imperadores; e declarou que sentença alguma que pronunciasse poderia ser revogada por quem quer que fosse, mas era prerrogativa sua revogar as decisões de todos os outros.