Powered By Blogger

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Dois Heróis da Idade Média - Parte III

A cidade de Praga encheu-se de tumulto. Uma classe numerosa denunciou Huss como a causa de todas as suas calamidades, e rogaram fosse ele entregue à vingança de Roma. Para acalmara a tempestade, o reformador retirou-se por algum tempo à sua aldeia natal. Escrevendo aos amigos que deixara em Praga, disse: “Se me retirei do meio de vós, foi para seguir o preceito e exemplo de Jesus Cristo, a fim de não dar lugar aos mal intencionados para atraírem sobre si a condenação eterna, e a fim de não ser para os piedosos causa de aflição e perseguição. Retirei-me também pelo receio de que os sacerdotes ímpios pudessem continuar por mais tempo a proibir a pregação da Palavra de Deus entre vós; mas não vos deixei para negar a verdade divina, pela qual, com o auxílio de Deus, estou disposto a morrer.” – Os Reformadores Antes da Reforma, de Bonnechose. Huss não cessou seus labores, mas viajou pelo território circunjacente, pregando a ávidas multidões. Destarte, as medidas a que o papa recorrera a fim de suprimir o Evangelho, estavam fazendo com que este largamente se estendesse. “Nada podemos contra a verdade, senão pela verdade.” II Coríntios 13:08.

O espírito de Huss nessa fase de sua carreira, parece ter certo cenário de doloroso conflito. Embora a igreja estivesse procurando fulminá-lo com seus raios, não havia ele renegado a autoridade dela. A igreja de Roma era ainda para ele a esposa de Cristo, e o papa o representante e vigário de Deus. O que Huss estava a guerrear era o abuso de autoridade, não o princípio em si mesmo. Isto acarretou terrível conflito entre as convicções de seu entendimento e os ditames de sua consciência. Se a autoridade era justa e infalível, como cria que fosse, como poderia achar-se obrigado a desobedecer-lhe? Obedece,r compreendia-o ele, significava pecar; mas, por que a obediência a uma igreja infalível levaria a tal situação? Era este o problema que não podia resolver; esta, a dúvida que o torturava sempre e sempre. A solução que mais justa se lhe afigurava, era que havia acontecido novamente, como já antes, nos dias do Salvador, que os sacerdotes da igreja se tinham tornado pessoas ímpias e estavam usando a autoridade lícita para fins ilícitos. Isto o levou a adotar para a sua própria orientação e para guia a quem pregava, a máxima de que os preceitos das Escrituras, comunicados por meio do entendimento devem reger a consciência; em outras palavras, de que Deus, falando na Bíblia, e não a igreja falando pelo sacerdócio, é o único guia infalível.” – Wylie.

Quando, depois de algum tempo, serenou a excitação em Praga, Huss voltou para a sua capela de Belém, a fim de continuar com maior zelo e ânimo a pregação da Palavra de Deus. Seus inimigos eram ativos e poderosos, mas a rainha e muito dos nobres eram seus amigos, e o povo em grande parte o apoiava. Comparando seus ensinos puros e elevados e sua vida santa com os dogmas degradantes dos romanistas e a avareza e devassidão que praticavam, muitos consideravam uma honra estar ao seu lado.

Até aqui Huss estivera só em seus trabalhos; agora, porém, se uniu na obra da reforma Jerônimo que, durante sua estada na Inglaterra, aceitara os ensinos de Wiclef. Daí em diante os dois estiveram ligados durante toda a vida, e na morte não deveriam ser separados. Gênio brilhante, eloqüência e saber – dotes que conquistaram o favor popular – possuía-os Jerônimo em alto grau; mas quanto às qualidades que constituem a verdadeira força de caráter, Huss era maior. Seu discernimento calmo servia de restrição ao espírito impulsivo de Jerônimo, que, com verdadeira humildade, se apercebia de seu valor e cedia aos seus conselhos. Sob o trabalho de ambos a Reforma estendeu-se mais rapidamente.

Deus permitiu que grande luz resplandecesse no espírito daqueles homens escolhidos, revelando-lhes muitos erros de Roma; mas eles não receberam toda a luz que devia ser dada ao mundo. Por meio destes Seus servos, Deus estava guiando o povo para fora das trevas do romanismo; havia, porém muitos e grandes obstáculos a serem por eles enfrentados, e Ele os guiou passo a passo, conforme o podiam suportar. Não estavam preparados para receber toda a luz de uma vez. Como o completo fulgor do sol ao meio dia para os que durante muito tempo permaneceram em trevas, fosse ela apresentada, tê-los-ia feito desviarem-se. Portanto Ele revelou aos dirigentes pouco a pouco, à medida que podia ser recebida pelo povo. De século em século, outros fiéis obreiros deveriam seguir-se para guiar o povo cada vez mais longe no caminho da Reforma.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dois Heróis da Idade Média - Parte II

Um cidadão de Praga, Jerônimo, que depois se tornou intimamente ligado a Huss, trouxera consigo, ao voltar da Inglaterra, os escritos de Wiclef. A rainha da Inglaterra, que se convertera aos ensinos de Wiclef, era uma princesa boêmia, e por sua influência as obras do reformador foram também amplamente divulgadas em seu país natal. Estas obras lera-as Huss com interesse; cria que seu autor era cristão sincero e inclinava-se a considerar favoravelmente as reformas que advogava. Huss, conquanto não soubesse, entrara já em caminho que o levaria longe de Roma.

Por esse tempo chegaram a Praga dois estrangeiros da Inglaterra, homens de saber, que tinham recebido a luz, e haviam chegado para espalhá-la naquela terra distante. Começando com um ataque aberto à supremacia do papa, foram logo pelas autoridades levados a silenciar; mas, não estando dispostos a abandonar o seu propósito, recorreram a outras medidas. Sendo artistas, bem como pregadores, prosseguiram pondo em prática a sua habilidade. Em local franqueado ao público pintaram dois quadros. Um representava a entrada de Cristo em Jerusalém, “manso, e assentado sobre uma jumenta” (Mateus 21:5), e seguidos de Seus discípulos, descalços e com trajes gastos pelas viagens. O outro estampava uma procissão pontifical: o papa adornado com ricas vestes e tríplice coroa, montando cavalo, magnificamente adornado, precedido de trombeteiros, e seguido de cardeais e prelados em deslumbrante pompa.

Ali estava um sermão que prendeu a atenção de todas as classes. Multidões vieram contemplar os desenhos. Ninguém deixara de compreender a moral, e muitos ficaram profundamente impressionados pelo contraste entre a mansidão e a humildade de Cristo, o Mestre, e o orgulho e a arrogância do papa, seu servo professo. Houve grande comoção em Praga, e os estrangeiros, depois de algum tempo, acharam necessário partir, para sua própria segurança. Mas a lição que haviam ensinado não ficou esquecida. Os quadros causaram profunda impressão no espírito de Huss, levando-o a um estudo mais acurado da Bíblia e dos escritos de Wiclef. Embora ainda não estivesse preparado para aceitar todas as reformas defendidas por Wiclef, via mais claramente o verdadeiro caráter do papado, e com maior zelo denunciava o orgulho, a ambição e corrupção da hierarquia.

Da Boêmia a luz estendeu-se à Alemanha, pois perturbações havidas na universidade de Praga determinaram a retirada de centenas de estudantes alemães. Muitos deles tinham recebido de Huss seu primeiro conhecimento da Escritura Sagrada e, ao voltarem, espalharam e o Evangelho em sua pátria.

Notícias da obra em Praga foram levadas a Roma, e Huss foi logo chamado a comparecer perante o papa. Obedecer seria expor-se à morte certa. O rei e a rainha da Boêmia, a universidade, membros da nobreza e oficiais do governo, uniram-se a num apelo ao pontífice para que fosse permitido a Huss permanecer em Praga e responder a Roma por meio de delegação. Em vez de atender a este pedido, o papa procedeu ao processo de condenação de Huss, declarando então achar-se interditada a cidade de Praga.

Naquela época, esta sentença, quando quer que fosse pronunciada, despertava geral alarma. As cerimônias que a acompanhavam, eram de molde a encher de terror ao povo que considerava o papa como representante do próprio Deus, tendo as chaves do Céu e do inferno, e possuindo poder para invocar juízos temporários bem como espirituais. Acreditava-se que as portas do Céu se fechavam contra a região atingida pelo interdito; que, até que o papa fosse servido remover a excomunhão, os mortos eram excluídos das moradas da bem-aventurança. Como sinal desta terrível calamidade suspendiam-se todos os serviços religiosos. As igrejas estavam fechadas. Celebravam-se os casamentos no pátio da igreja. Os mortos, negando-se-lhes o sepultamento em terreno consagrado, eram sem os ritos fúnebres, inumados em fossos ou no campo. Assim, por meio de medidas que apelavam para a imaginação, Roma buscava dirigir a consciência dos homens.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Dois Heróis da Idade Média - Parte I

O Evangelho fora implantado na Boêmia já no século nono. A Bíblia estava traduzida, e o culto público era celebrado na língua do povo. Mas à medida que aumentava o poderio do papa, a Palavra de Deus se obscurecia. Gregório VII, que tomara a si o abater o orgulho dos reis, não tinha menos intenções de escravizar o povo, e de acordo com isto expediu uma bula proibindo que o culto público fosse dirigido na língua boêmia. O papa declarava ser “agradável ao Onipotente que seu culto fosse celebrado em língua desconhecida, e que muitos males e heresias haviam surgido por não se observar esta regra.” Wylie. Assim Roma decretava que a luz da Palavra de Deus se extinguisse e o povo fosse encerrado em trevas. O Céu havia promovido outros fatores para a preservação da igreja. Muitos dos valdenses e dos albigenses, pela perseguição expulsos de seus lares na França, e Itália, foram à Boêmia. Posto que não ousassem ensinar abertamente, zelosos trabalhavam em segredo. Assim se preservou a fé de século em século.

Antes dos dias de Huss, houve na Boêmia homens que se levantaram para condenar abertamente a corrupção da igreja e dissolução do povo. Seus trabalhos despertaram interesse que se estendeu largamente. Suscitaram-se os temores da hierarquia e iniciou-se a perseguição contra os discípulos do Evangelho. Compelidos a fazer seu culto nas florestas e montanhas, davam-lhes caça aos soldados, e muitos foram mortos. Depois de algum tempo se decretou que todos os que se afastassem do culto romano deviam ser queimados. Mas, enquanto os cristãos rendiam a vida, olhavam à frente para a vitória de sua causa. Um dos que “ensinavam que a salvação só se encontra pela fé no Salvador crucificado,” declarou ao morrer: “A fúria dos inimigos da verdade agora prevalece contra nós, mas não será para sempre; levantar-se-á um dentre o povo comum, sem espada nem autoridade, e contra ele não poderão prevalecer.” - Wylie. O tempo de Lutero estava ainda muito distante; mas já se erguia alguém , cujo testemunho contra Roma abalaria as nações.

João Huss era de humilde nascimento e cedo ficou órfão pela morte do pai. Sua piedosa mãe, considerando a educação e o temor de Deus como a mais valiosa das posses, procurou assegurar esta herança para o filho. Huss estudou na escola da província, passando depois para a universidade de Praga, onde teve admissão gratuita como estudante pobre. Foi acompanhado na viagem por sua mãe; viúva e pobre, não possuía riquezas e honras mundanas para conferir ao filho; mas, aproximando-se eles da grande cidade, ajoelhou-se ela ao lado do jovem sem pai, e invocou-lhe a bênção do Pai celestial. Pouco imaginara aquela mãe como sua oração seria atendida.

Na universidade Huss se distinguiu pela sua incansável aplicação e rápidos progressos, enquanto a vida irrepreensível e modos afáveis e simpáticos lhe conquistaram estima geral. Era sincero adepto da igreja de Roma, e fervorosamente buscava as bênçãos espirituais que ela professava conferir. Na ocasião de um jubileu, foi à confissão, pagou as últimas poucas moedas de seus minguados recursos, e tomou parte nas procissões, a fim de participar da absolvição prometida. Depois de completar o curso colegial, entrou para o sacerdócio e, atingindo rapidamente a eminência, foi logo chamado à corte do rei. Tornou-se professor e mais tarde reitor da universidade em que recebera educação. Em poucos anos o humilde estudante, que de favor se educara, tornou-se o orgulho de seu país e seu nome teve fama em toda a Europa.

Foi, porém, em outro campo que Huss começou a obra da Reforma. Vários anos após haver recebido a ordenação sacerdotal, foi nomeado pregador da capela de Belém. O fundador desta capela defendera como assunto de grande importância, a pregação das Escrituras na língua do povo. Apesar da oposição de Roma a esta prática, ela não se interrompeu completamente na Boêmia. Havia, porém, grande ignorância das Escrituras, e os piores vícios prevaleciam entre o povo de todas as classes. Estes males Huss denunciou largamente, apelando para a Palavra de Deus a fim de encarecer os princípios da verdade e pureza por ele pregados.